Agricultura

Planta nativa de território indígena vira alvo do crime organizado no México

Comércio de yucca cresce com exportação para países como a China e desperta interesse de criminosos, que ameaçam meio ambiente e comunidades.
<p>Elías Espinoza lamenta a falta de combate ao mercado ilegal de <em>yucca</em> (imagem: Omar Martínez)</p>

Elías Espinoza lamenta a falta de combate ao mercado ilegal de yucca (imagem: Omar Martínez)

A Yucca schidigera é uma espécie de arbusto que atinge até cinco metros de altura e resiste tanto ao calor inclemente quanto às noites geladas dos desertos do oeste de Estados Unidos e México. As folhas pontiagudas que brotam de seu tronco protegem um cacho de flores brancas.

A planta tem inúmeros usos, de ativo na medicina alternativa a espumante e aromatizante de refrigerantes. Serve ainda como ingrediente para a ração de aves, suínos, bovinos e peixes, assim como de animais domésticos.

Suas propriedades exclusivas, que contribuem para o sistema imunológico de animais e o ganho de peso do gado, são o que mais têm chamado a atenção de mercados agrícolas para seu potencial comercial. Mas isso tem despertado também o interesse de grupos criminosos, pouco preocupados com a preservação da planta a longo prazo.

A yucca já é comercializada de várias formas online. No Alibaba, popular site de comércio chinês, os preços do extrato de Yucca schidigera variam 10 a 50 dólares por quilo. Na Amazon, ele sai por 56 dólares dólares o quilo.

Elías Espinoza é um agricultor indígena da etnia kiliwa que vive no vilarejo Arroyo de León, localizado em um território concedido pelo governo no noroeste mexicano e onde a espécie brota como cogumelo. Os kiliwa ocupam os ejidos, ou seja, terras comunais mantidas no sistema tradicional da região e que servem para a agricultura ou o extrativismo.

Ele conta que grupos armados invadem as terras indígenas de sua população e das imediações, no Valle de la Trinidad, para roubar e vender a yucca a empresas locais. Essas, por sua vez, processam e exportam a planta para os Estados Unidos e a China, entre outros destinos.

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A yucca é uma das principais fontes de saponinas, uma substância química que ajuda a aumentar o peso de animais (imagem: Omar Martínez)

Espinoza explica que ele e outros trabalhadores tomam cuidados especiais para cortar a planta, seguindo padrões de qualidade exigidos pelos compradores legais. Eles sabem que devem descascar completamente os caules sem danificá-los.

“[Os traficantes] cortam como querem”, diz o agricultor indígena. “Eles cortam o topo e deixam a folha. Levamos tempo para trabalhar bem, porque se deixarmos esses pedaços, a empresa nos pune”.

Uma alternativa natural

A planta é uma das principais fontes de saponina esteroidal, componente químico que melhora as funções imunes e reduz a necessidade de antibióticos em animais, como mostra um estudo publicado no Italian Journal of Animal Science.

Além de ajudar no ganho de peso dos animais, a espécie é amplamente usada como aditivo alimentar para reduzir os odores fecais de animais, melhorando, assim, a qualidade do ar.

A Baja Agro International, principal empresa a comercializar a Yucca schidigera no México, informa que seu produto chega a 50 países. O Ministério de Desenvolvimento Agrícola do México reconheceu recentemente o crescimento da empresa, que tem os Estados Unidos e a China como seus principais destinos.

Dadas as vendas comparativamente pequenas da espécie até agora, números precisos das quantidades comercializadas são difíceis de se obter. As bases de dados do comércio internacional frequentemente incluem a Yucca schidigera em estatísticas de alimentação animal, já que ela é um dos ingredientes.

A Veritrade, empresa de inteligência comercial, informa que, entre abril e junho de 2018, a Baja Agro International exportou 25 embarcações, duas delas para a China, o que representou 23% do total das exportações. Segundo o registro de exportação, os dois embarques de extrato de yucca em pó da China somaram mais de 380 mil dólares.

O roubo da yucca não é interrompido

O arbusto da América do Norte ainda não é amplamente usado na China, mas o comércio pode crescer em breve. Em janeiro de 2020, a China proibiu o uso de antibióticos promotores de crescimento como medicamento veterinário, e a espécie poderia ser uma alternativa que, inclusive, reduziria o impacto ambiental da produção pecuária. Entretanto, seu potencial tem estimulado o roubo e a intimidação das comunidades indígenas, que ficam à mercê de grupos armados.

“O roubo da yucca não é interrompido”, lamenta Espinoza enquanto percorre os arredores de seu vilarejo. “Elas já sumiram de algumas áreas e estão mais difíceis de encontrar em outras”.

Os agricultores têm licença concedida pelo governo estadual e federal para a extração sustentável da espécie. Ela estipula que apenas metade da planta nascida de uma única raiz possa ser cortada, garantindo, assim, sua permanência. As colheitas são vendidas a 450 dólares por tonelada.

Caminhões podem transportar entre 30 e 32 toneladas, explica Espinoza. Em uma única viagem, eles podem recolher quase 15 mil dólares em yucca, e o valor poderia ser até maior se houvesse mais veículos e trabalhadores.

Ladrões de yucca

Os ladrões de yucca vêm em grupos de três ou quatro pessoas. Eles chegam armados e entram no território comunal por diferentes pontos de acesso, de acordo com Cirilo Bañuelos, do comissariado dos ejidos.

Espinoza lembra que, em julho passado, foram erguidas cercas nas terras comunais, mas não demorou muito para os criminosos encontrarem outra entrada. Os habitantes se revezavam para observar as entradas à noite, mas logo se viram indefesos.

Bañuelos diz que, em certa ocasião, moradores avistaram um caminhão entrando no território. Ao tentarem interceptá-lo, um homem do veículo apontou uma arma para o grupo. Assim, os ladrões saíram com as plantas em veículos com placas estrangeiras, provavelmente roubadas.

Bañuelos e Espinoza dizem que o problema não é novo, mas tem se intensificado nos últimos dois anos. Recentemente, eles decidiram seguir os ladrões até Llano Colorado, uma localidade a menos de cinco quilômetros de onde vivem os Kiliwas.

De lá, as remessas seguem para a cidade costeira de Ensenada, onde são vendidas por entre 150 e 250 dólares – cerca de metade do preço da safra legal – para empresas que extraem a saponina para exportá-la na forma líquida ou em pó, detalha Espinoza.

“As pessoas da nossa comunidade que têm licença para cortar a planta sabem que o que sai do Valle de la Trinidad não pode ser legal, porque praticamente todos nós vendemos para uma ou duas empresas”, acrescenta o agricultor. “O resto deve ser fornecido de outra forma”.

Elias demonstrates a careful yucca cut
Elías demonstra corte correto (Imagem: Omar Martínez)

Segundo Jesús Alejandro Ruiz Uribe, delegado federal do estado mexicano de Baja California, a yucca é alvo do crime organizado. Além daqueles que a roubam e compram, as autoridades estão permitindo sua exploração.

Para que uma empresa possa comprar e exportar uma espécie como a Yucca schidigera, é necessário ter uma licença conhecida como remissão florestal, concedida pela Comissão Nacional Florestal (Conafor), explica Uribe. Isto garante que o comércio  obedeça às normas ambientais mexicanas.

Sob a cumplicidade das autoridades, as empresas estão levando esta planta para outros países

Em setembro, durante a reunião do Conselho Agrário – formado por agências federais que apoiam a agricultura – Ruiz Uribe e grupos afetados concordaram em instalar um posto de vigilância no Valle de la Trinidad, já que os esforços para deter o roubo de mandioca até agora não tiveram efeito diante da fraca aplicação da lei.

“Alguém não está fazendo seu trabalho”, diz Uribe, “sob a cumplicidade das autoridades, as empresas estão levando esta planta para outros países”. Elas têm mais de 55 tipos de uso e é por isso que em lugares como a China ou a Índia [onde ela não cresce] a compram em grandes quantidades”.