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Opinião: O que as eleições americanas significam para as relações entre a China e a América Latina

A América Latina não pode contar apenas com os EUA ou a China para iniciar o crescimento regional e deve diversificar seus parceiros internacionais, escreve Barbara Stallings
<p>A sombra das eleições nos Estados Unidos paira sobre o papel da China na retomada do crescimento na América Latina após a Covid-19 (imagem: Alamy)</p>

A sombra das eleições nos Estados Unidos paira sobre o papel da China na retomada do crescimento na América Latina após a Covid-19 (imagem: Alamy)

As eleições americanas de 3 de novembro terão grandes implicações para as relações China-América Latina durante os próximos quatro anos.

Se Donald Trump for reeleito, é provável que os EUA aumentem a pressão sobre a América Latina para limitar – se não eliminar – as relações com a China. Espera-se uma abordagem pesada. Já se o ex-vice-presidente Joe Biden for eleito, seu governo provavelmente buscaria uma abordagem regional mais colaborativa, que poderia até incluir alguns projetos de cooperação com a China.

As relações China-América Latina sob o olhar dos EUA

Os EUA têm sido uma presença iminente desde que a China e a América Latina começaram a estreitar as relações, no início do século 21. Em capítulo de um livro de 2008, é introduzido o conceito de “triângulo EUA-China-América Latina”, que incorpora suas estreitas conexões.

Enquanto alguns políticos americanos de direita têm demonstrado preocupação com as intenções da China em relação à região, muitos funcionários das administrações Bush e Obama viram os novos laços de forma benigna, como uma forma de estimular o crescimento na região em benefício de todas as partes.

Por sua vez, a China tem consciência de que joga na área de influência dos EUA e é abertamente restrita aos laços econômicos. Quando, por exemplo, Hugo Chávez tentou atrair a China para sua campanha anti-americana, a China não demonstrou interesse em participar, focando sua atenção às vastas reservas de petróleo da Venezuela

A natureza desses laços triangulares mudou após a eleição de Trump em 2016, à medida que as relações entre os EUA e a China se deterioravam. Do lado americano, a retórica anti-China se intensificou e se desdobrou em guerra comercial e, em seguida, em disputa geopolítica.

Se Trump for reeleito, espera-se uma política ainda mais agressiva em relação à América Latina… seria mais difícil para a América Latina evitar tomar partido

A China reagiu, tanto defensivamente, com tarifas “olho por olho”, quanto ofensivamente, cortejando países em desenvolvimento com grandes investimentos em infra-estrutura através de sua Iniciativa Cinturão e Rota (ICR), além de oferecer-lhes assistência médica na luta contra a COVID-19. Também começou a assumir uma postura diplomática mais agressiva pela chamada “diplomacia da máscara”. No processo, pressionou outros países – na Europa e Ásia, assim como na América Latina – a tomar partido nos conflitos EUA-China.

No caso da América Latina, as ações do governo Trump começaram a se assemelhar às do século passado: a Venezuela foi ameaçada com tropas se não trocasse o governo; o México foi ameaçado com tarifas proibitivas se não impedisse a entrada de imigrantes ilegais nos EUA; os países que trocaram o reconhecimento de Taiwan pela China continental foram ameaçados com cortes de ajuda; e vários governos foram advertidos a não permitir que empresas chinesas de tecnologia fornecessem equipamentos para serviços avançados de Internet (5G).

Um movimento particularmente agressivo foi o de nomear um funcionário americano de linha dura para a presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), desafiando uma consagrada tradição em que essa posição era ocupada por um latino-americano. Muitos especialistas acreditam que o objetivo é usar os recursos do BID para competir com os investimentos do ICR na China.

Neste contexto, não está claro as diferenças de uma segunda administração Trump versus um novo governo Biden para os laços China-América Latina, já que os principais partidos dos EUA compartilham um forte sentimento anti-China. Na realidade, esse é hoje um dos poucos pontos de acordo entre democratas e republicanos.

Tomando partido

Um fator importante será a forma como a campanha se desdobrará em seus últimos dias – até que ponto as relações com a China se tornarão um foco central e o que ocorrerá se Biden for pressionado a assumir fortes posições anti-China. Felizmente, até agora, a China tem ficado ofuscada por outros tópicos no discurso eleitoral.

Se Trump for reeleito, espera-se uma política ainda mais agressiva em relação à América Latina. Haveria provavelmente uma abordagem mais “nós contra eles”, especialmente no que diz respeito à alta tecnologia, e seria mais difícil para a América Latina evitar tomar partido.

A administração Biden provavelmente focaria menos atenção na América Latina devido a outras prioridades

Se os países latino-americanos se distanciassem da China, isto significaria menos recursos para impulsionar as economias regionais a voltar a crescer, tornando-as menos atraentes para outros investidores e resultando em um círculo vicioso de baixo crescimento

Se os latino-americanos recusassem as exigências dos EUA, há várias armas que os EUA poderiam usar; as tarifas são as preferidas de Trump, mas atividades militares e de inteligência secreta não podem ser descartadas. Os principais alvos continuariam a ser Venezuela, México e América Central, mas o restante da região também poderia sofrer consequências.

A administração Biden provavelmente focaria menos atenção na América Latina devido a outras prioridades, como o aumento do investimento nos EUA e a reparação das relações com aliados europeus e asiáticos. Isto proporcionaria mais espaço para que os latino-americanos tomassem decisões políticas autônomas, e mais atenção seria direcionada à cooperação regional.

Neste caso, a América Latina poderia continuar a fazer negócios tanto com os EUA e a China quanto com países terceiros. Provavelmente haveria alguma pressão, principalmente em relação ao 5G, mas não seriam tomadas medidas no sentido de uma proibição das relações com a China. Poderia até mesmo haver algumas iniciativas simbólicas envolvendo projetos conjuntos EUA-China-América Latina. Melhores relações seriam certamente estabelecidas com o México e a América Central, e uma solução regional provavelmente seria procurada para a Venezuela.

O caminho a seguir

Como a América Latina deve reagir diante desses dois cenários? Qualquer que seja o resultado eleitoral, a região deve fazer o máximo para diversificar suas relações internacionais. A América Latina se encontra em uma situação política e econômica muito difícil em 2020: uma pandemia que continua a se espalhar; uma crise econômica que ameaça eliminar muitos dos ganhos sociais das últimas duas décadas; e um contexto geopolítico desafiador.

Os países da região não podem depositar suas esperanças em um só parceiro para superar estes grandes desafios. Eles devem tentar evitar tomar partido entre os EUA e a China e buscar recursos de ambos para retomar o crescimento.

Além disso, devem cultivar relações com outros países – na Europa e em outras partes da Ásia – para criar um contexto mais amplo para suas medidas de política externa. Tal abordagem seria muito mais fácil sob uma administração Biden, mas seria ainda mais importante para a América Latina e seu desenvolvimento se Donald Trump permanecesse na Casa Branca.