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Empresa chinesa encarregada do Trem Maia, no México, tem histórico de corrupção em nível internacional

Com um processo questionado por ambientalistas, a empresa CCCC inicia obras no Sul do país
<p>Um manifestante segura um cartaz onde se lê: &#8220;Não quero uma refinaria. Não quero o trem maia. Quero que um planeta viva&#8221; (imagem: <a href="https://www.flickr.com/photos/151300191@N05/46700623854/">Francisco Colín Varela</a>)</p>

Um manifestante segura um cartaz onde se lê: “Não quero uma refinaria. Não quero o trem maia. Quero que um planeta viva” (imagem: Francisco Colín Varela)

O consórcio que construirá parte do Trem Maia, no Mèxico, está envolvido em mais de 50 obras em pelo menos 19 países da América Latina e do Caribe graças, em grande parte, ao capital a que tem acesso proveniente do Banco Comercial e Industrial da China. Porém, na página oficial do projeto, não são fornecidos detalhes da empresa ou de outros trabalhos aos quais ela esteve vinculada. 

No final de abril, em meio à pandemia de Covid-19, foi anunciado que o vencedor da licitação para a construção da primeira etapa do projeto do trem é o consórcio Mota-Engil México, em parceria com a China Communications Construction Company (CCCC), Grupo Cosh, Eyasa e Gavil Ingeniería, que investirão mais de US$ 15 bilhões de pesos mexicanos (R$ 3,5 bilhões) na rota. Conforme relatou o Diálogo Chino, a CCCC foi sancionada pelo Banco Mundial por práticas fraudulentas nas Filipinas. No entanto, como a inabilitação terminou em 2017, as autoridades mexicanas argumentaram que não podem desqualificar as empresas “com sanções não vigentes”.  

É um projeto que é muito mais que uma via de comunicação, e que contempla também a construção de pólos de desenvolvimento, parques agroindustriais, estações, novas cidades e novos empreendimentos turísticos

Outros antecedentes da CCCC incluem a suspeita de corrupção em uma obra ferroviária na Malásia e uma investigação relacionada à construção de um hospital infantil na Austrália. Em Bangladesh, uma de suas subsidiárias, a China Harbor Engineering, foi acusada por funcionários do governo de pagar comissões de forma ilegal. A empresa também foi acusada de corrupção na construção de um porto na Tanzânia. Na América Latina, apesar de não haver grandes escândalos, também há sinais de irregularidades.

Em São Luís, no Brasil, onde a empresa constrói um enorme porto, promotores locais estão investigando se a empresa lucrou com a venda de títulos de propriedade de forma irregular. No Panamá, autoridades locais descobriram irregularidades no contrato de construção de uma ponte. Também houve problemas no contrato da obra de uma universidade no Equador.

Corrupção e o meio ambiente: oposição ao Trem Maia

Além da controvérsia gerada pela reputação duvidosa da CCCC, a iniciativa presidencial enfrentou grande oposição de organizações civis e comunidades da região, que afirmam não se beneficiar do investimento estrangeiro em projetos turísticos. 

O Trem Maia, um dos megaprojetos impulsionados pelo governo federal de Andrés Manuel López Obrador, percorrerá 227 km, desde Palenque, em Chiapas, até Escárcega, Campeche, no Sul do México, e terá um custo estimado em 150 bilhões de pesos (R$ 3,5 bilhões), sendo 10% do financiamento público e 90% privado.  

map showing the mayan train route

“Com base nas informações disponíveis até agora sobre o Trem Maia, podemos ver que é um projeto que é muito mais que uma via de comunicação, e que contempla também a construção de pólos de desenvolvimento, parques agroindustriais, estações, novas cidades e novos empreendimentos turísticos”, afirmou Sergio Madrid, diretor do Conselho Civil Mexicano para a Silvicultura Sustentável ​​(CCMSS), instituição que colabora há anos com organizações camponesas na defesa de seu território.

Para Madri, megaprojetos na Península de Yucatán têm sido acompanhados por um processo de desapropriação de terras de comunidades indígenas por meio de diferentes mecanismos que, ao final, acabam expulsando a população de seus territórios.

Por seu lado, Salvador Anta Fonseca, responsável pela área florestal da organização Política e Legislação Ambiental (Polea), considera que foi criada uma falsa discussão entre o trem como via de comunicação versus o modelo de desenvolvimento turístico proposto pelo Fundo Nacional de Fomento ao Turismo (Fonatur), instância responsável pelo megaprojeto. 

“O trem em si me parece que não é a parte mais complicada do projeto, mas sim o que está por trás dele, que são vários povoamentos novos com um planejamento de cidades médias que vão gerar forte pressão em alguns locais que ainda têm importância em biodiversidade”, argumentou Anta.

A Reserva da Biosfera de Calakmul é um destes locais de relevância ambiental aos quais se refere o especialista, um parque nacional que abriga uma das ruínas maias mais emblemáticas da América Central, que é também um modelo de conservação gerenciado por comunidades locais e faz parte do corredor ecológico de espécies como a onça-pintada (Panthera onca).

Suspensão do trabalho

“Parece-nos que sempre foi um projeto opaco, onde nenhuma informação pública pertinente foi fornecida, desde o esboço e o seu impacto ambiental até as implicações do mesmo projeto, que nada mais é do que a construção de vias em 5 entidades federativas”, disse Jorge Fernández, advogado da organização Indignação, Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, AC, que acompanha a comunidade indígena e os povos que enfrentam desapropriação ou transformações em seus territórios. 

O advogado destacou que, diante dessas irregularidades, as comunidades indígenas e os moradores de Palenque, Salto de Agua e Ocosingo entraram com uma ação em que contestavam dois acordos que determinavam que as obras do Trem Maia continuariam apesar da pandemia. Em 22 de junho, a juíza do Distrito de Amparo e de Juízos Penais Federais do estado de Chiapas concedeu a suspensão definitiva da Seção 1. 

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Obras serão criadas pelo Maya Train, de acordo com o presidente mexicano

“A partir dos dados fornecidos no julgamento, surgiram três novos elementos que levaram as comunidades a ampliar a demanda por proteção: o primeiro é a afirmação da Fonatur de que não há Declaração de Impacto Ambiental (MIA) (algo que já foi alterado porque a agência apresentou este documento); o segundo é que a Fonatur não detém competência legal para realizar licitações; e o terceiro ponto é a violação dos povos que não foram consultados, violando seu direito à autodeterminação “, afirmou Fernández. 

Em relação ao último ponto, o escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos no México declarou que o processo de consulta indígena sobre o “Projeto de Desenvolvimento do Trem Maia”, realizado em 2019, não cumpriu todas as normas internacionais relacionadas aos direitos dos povos indígenas, como o direito a consulta. A organização internacional enfatizou que a convocação do projeto, o protocolo e as informações que o governo entregou à comunidade não possuíam informações completas sobre os impactos negativos que o projeto terá na área. 

Além do exposto, ambientalistas e ativistas que se opõem abertamente ao projeto foram recentemente ameaçados de morte, como o caso de Pedro Uc, que desconsiderou os resultados da consulta.  

Mesmo com essas contestações ao processo, o Governo do México garante que a Seção 1 do Trem Maia, a ser construída pela CCCC, será responsável, em parte, por 80 mil empregos que serão gerados neste ano de 2020 na construção do projeto.

“Que tipo de emprego será gerado?”, questiona o advogado Jorge Fernández, que afirma que as comunidades estão sendo pensadas simplesmente como a mão de obra da infraestrutura a ser construída. 

López Obrador assumiu como presidente do México em 1 de dezembro de 2018 e naquele dia ele fez 100 promessas: a de número 68 foi a construção do Trem Maia, e a de número 78 foi que nenhum projeto econômico, produtivo, comercial ou turístico que afetasse o meio ambiente seria permitido. As duas promessas parecem incompatíveis para quem vive e protege a selva maia.