Clima & energia

“Todos a postos” para o financiamento climático

Cooperação Sul-Sul pode fazer de 2016 um ano histórico
<p>Depois do Acordo de Paris, hora de dar as mãos pelo financiamento climático (image: <a href="https://www.flickr.com/photos/cop21/23595388112/in/album-72157661744003510/" target="_blank" rel="noopener">COP Paris/ Arnaud Bouissou </a>)</p>

Depois do Acordo de Paris, hora de dar as mãos pelo financiamento climático (image: COP Paris/ Arnaud Bouissou )

A Conferência do Clima da ONU (COP21), realizada em Paris em dezembro de 2015, representou um passo histórico nos esforços internacionais de combate às alterações climáticas, gerando um novo acordo que inclui compromissos nacionais de 189 países para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Embora esses compromissos ainda tenham que ser cumpridos, e depois ampliados nos anos vindouros, eles demonstram o poder da abordagem que o secretário-geral da ONU, Ban Ki Moon, definiu como “todos a postos no convés” para enfrentar o desafio climático.

Essa mudança colossal no contexto da mitigação, que se afasta do modelo do Protocolo de Quioto, foi justamente celebrada como o caminho mais construtivo daqui em diante. Mas poucos observadores notaram o início de uma mudança semelhante na esfera do financiamento climático – mudança que pode se tornar igualmente significativa.

No mundo de hoje, onde os países em desenvolvimento constituem metade do PIB global, o desafio do financiamento climático, assim como o desafio da mitigação, só pode ser vencido, em última instância por uma abordagem tipo “todos a postos”.

Nos últimos anos, os países em desenvolvimento vêm aumentando seus investimentos em infraestrutura de baixo carbono, tanto no plano nacional como em outros países em desenvolvimento. E a China está no centro do crescimento do chamado Financiamento Climático Sul-Sul (FCSS), o que representa uma grande oportunidade.

As negociações sobre o financiamento climático no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, em inglês) tradicionalmente se focavam no nível de apoio financeiro que os países em desenvolvimento vão receber. Embora esse apoio seja crucial, e os países desenvolvidos devam cumprir, sem falta, a meta de mobilizar US$ 100 bilhões anuais em financiamento climático até 2020, o desafio climático exige que o mundo mobilize não bilhões, mas sim trilhões de dólares.

No mundo de hoje, onde os países em desenvolvimento constituem metade do PIB global, o desafio do financiamento climático, assim como o desafio da mitigação, só pode ser vencido, em última instância por uma abordagem tipo “todos a postos”.

China em particular, que anunciou US$ 3,1 bilhões em financiamento climático bilateral

O Acordo de Paris reconhece essa nova realidade. Embora reafirme que “os países desenvolvidos devem continuar a assumir a liderança na mobilização para o financiamento climático”, diz também, explicitamente, que eles agem “como parte de um esforço global” (artigo 9, parágrafo 3). Além disso, “Outras partes são incentivadas a fornecer ou continuar a fornecer esse apoio voluntariamente” (artigo 9, parágrafo 2). Portanto, para realizar o pleno potencial dessa importante dimensão do acordo de Paris, os países devem agora redobrar seus esforços para controlar e expandir o papel do FCSS, de modo a alinhá-lo de forma mais eficaz com o financiamento climático “tradicional”, que flui dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento.

Felizmente, os países em desenvolvimento, e a China em particular, que anunciou US$ 3,1 bilhões em financiamento climático bilateral nas vésperas da COP21, já estão começando a mostrar liderança nessa frente. Este ano, a China pode aproveitar a sua presidência do G20 e seu papel de liderança em novas instituições financeiras internacionais, como o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB, na sigla em inglês) e o Novo Banco de Desenvolvimento (Banco dos BRICS) para dar um passo decisivo, integrando o financiamento de baixo carbono nas novas e colossais instituições financeiras que estão tomando forma na Ásia. De fato essa tarefa talvez seja a maior prioridade para a diplomacia climática em 2016.

China à frente

Embora não haja esforços oficiais ou sistemáticos globais para monitorar o avanço do FCSS, num artigo recente na revista Global Policy – “Climate Finance in and between Developing Countries: An Opportunity to Build on” (“Financiamento Climático nos países em desenvolvimento e entre eles: Uma oportunidade para se aproveitar”), mapeamos o panorama atual, com base nos melhores relatórios públicos disponíveis. A Iniciativa de Política Climática (CPI, na sigla em inglês) estima que o FCSS atingiu US$ 10 bilhões em 2013. Isso constituiu até 30% do total do financiamento climático que fluiu dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento no período (US$ 34 bilhões). Segundo o Climatescope 2015, em 2014 os investimentos em energia limpa nos 55 países em desenvolvimento para os quais existem dados atingiram US$ 126 bilhões, com mais da metade (US$ 79 bilhões) em investimentos Sul-Sul provenientes de países não membros da OCDE.

Esse FCSS assume três formas principais: contribuições dos países em desenvolvimento para fundos climáticos multilaterais já estabelecidos; iniciativas bilaterais; e novas organizações internacionais lideradas por países do sul, como o Banco BRICS e o AIIB.

A primeira categoria é relativamente pequena – as contribuições dos países em desenvolvimento para os fundos climáticos multilaterais constituem apenas alguns pontos percentuais do total dos recursos utilizados para o financiamento climático em instituições como o Fundo Global para o Meio Ambiente, o Banco Mundial e os bancos regionais de desenvolvimento, ou a recém-criado Fundo Verde para o Clima.

Os acordos bilaterais têm mais proeminência no momento, com a China em posição de liderança. Em setembro de 2014 a China anunciou, na Cúpula do Clima da ONU em Nova York, que iria criar um Fundo Climático Sul-Sul. Um fato animador é que a China está vinculando seu FCSS diretamente ao processo da UNFCCC, assinando um memorando de entendimento com a ONU sobre as metas e a utilização do fundo. A disposição da China para vincular seu financiamento climático ao processo da ONU mostra como a tradicional divisão existente na UNFCCC entre países desenvolvidos e em desenvolvimento não constitui um impedimento a uma evolução construtiva da agenda do financiamento climático.

Durante a visita de Estado do presidente chinês Xi Jinping a Washington, em setembro de 2015, a China anunciou que forneceria US$ 3,1 bilhões para ajudar os países em desenvolvimento a combater as mudanças climáticas. É um aumento substancial em relação à sua promessa original de fornecer US$ 80 milhões ao longo de três anos através do seu Fundo Climático Sul-Sul.

Apesar da grande importância desse anúncio, a terceira categoria de FCSS pode vir a ser a mais significativa. À medida que os países em desenvolvimento vão assumindo um papel maior na economia mundial, procuram não apenas ter mais influência nas instituições financeiras internacionais já existentes, como também criar as suas próprias. O Banco dos BRICS e o AIIB são especialmente significativos. O AIIB já conta com o compromisso de participação de 57 países, incluindo 20 não asiáticos. O capital autorizado do AIIB será de US$ 100 bilhões, e espera-se que o capital inicial subscrito gire em torno de US$ 50 bilhões.

Até o momento, não há informações específicas disponíveis sobre o financiamento climático no AIIB nem no Bando dos BRICS, mas os acordos em vigor indicam claramente o compromisso desses dois bancos com projetos de desenvolvimento sustentável. O AIIB lançou um projeto de consulta do seu Quadro Ambiental e Social, porém este não apresenta de forma clara seu plano geral para incluir na sua tomada de decisões o financiamento climático, nem as implicações climáticas de forma mais ampla.

Com seus vastos recursos, essas novas instituições podem levar a uma revolução fundamental no FCSS ao direcionar fundos substanciais e integrar as questões climáticas nos seus investimentos de infraestrutura. Mas para isso, terão que encaminhar ativamente projetos que sejam consistentes com os objetivos ambientais mais amplos.

Oportunidade para liderança chinesa

O governo chinês tem uma enorme oportunidade em 2016 de ajudar a garantir que as novas instituições financeiras, que está controlando, trabalhem em conjunto com outros países e outras instituições financeiras internacionais de modo a favorecer os objetivos do Acordo de Paris, e não dificultá-los.

Nessa frente, existem algumas indicações promissoras de que a China está explorando instrumentos financeiros inovadores, criados para dar impulso aos investimentos em energias limpas. O Banco Popular da China e o Banco da Inglaterra estão, conjuntamente, na presidência do Grupo de Estudos sobre o Financiamento Verde, uma comissão internacional apoiado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), que visa desbloquear novas fontes de financiamento verde. O governo chinês também emitiu novas diretrizes para títulos verdes, e em 25 de janeiro de 2016 dois bancos chineses anunciaram planos de emitir a impressionante quantia de US$ 15 bilhões em títulos verdes.

Mas, nem todos os elementos do sistema financeiro da China estão avançando na mesma direção. Um estudo recente da revista Nature: Climate Change “Developing country finance in a post-2020 global climate agreement” (“Desenvolvendo o financiamento do país em um acordo climático global pós-2020”) descobriu que três quartos de todas as usinas de energia da Ásia que são financiadas, operadas ou construídas por companhias chinesas queimam carvão. Esse apoio coloca a China em desacordo com as agências de crédito à exportação da maioria das economias avançadas, e também com o Banco Mundial e outros grandes bancos de desenvolvimento. Além disso, oferece uma desculpa para países como Alemanha ou Japão, que continuam a financiar a construção de usinas a carvão em países em desenvolvimento, para continuar a exportar infraestrutura de alto carbono. Esse “financiamento anticlimático” dificulta os esforços da China e da comunidade global para avançar conjuntamente e de maneira eficaz num contexto pós-Paris.

Este ano, a presidência chinesa do G20 oferece uma oportunidade para dar coerência a essa agenda. A China e seus parceiros do G20 deveriam trabalhar para garantir que todos os bancos de desenvolvimento e fundos semelhantes, tanto antigos como novos, comecem a se reunir a intervalos regulares com a finalidade expressa de coordenar estratégias de financiamento climático, e de buscar formas de eliminar de suas carteiras, de maneira coletiva e progressiva, os investimentos destrutivos para o clima.

Muitas dessas conversas já começaram. Sete bancos multilaterais de desenvolvimento já publicam, desde 2012, relatórios anuais conjuntos sobre o financiamento climático. E, pouco antes da COP21, grandes bancos multilaterais e instituições financeiras de desenvolvimento internacional anunciaram um conjunto de Princípios Voluntários para a Integração da Ação Climática nas Instituições Financeiras. Novas instituições financeiras internacionais devem ser envolvidas desde cedo para garantir uma coordenação oportuna e eficaz do financiamento climático.

O objetivo final do financiamento climático é fazer com que todos os financiamentos tenham segurança climática e resistência às alterações climáticas. É apenas integrando o crescimento verde em todos os planos da economia que o mundo vai conseguir realizar esta tarefa. O FCSS marca um passo importante nesse processo, pois amplia o número de participantes e preenche as necessidades de infraestrutura com desenvolvimento limpo.

Para atingir essa meta, os esforços conjuntos das instituições financeiras de desenvolvimento internacionais e regionais, tanto antigas como novas, e das instituições financeiras nacionais, públicas e privadas, podem conduzir uma transição mais ampla para o financiamento com segurança climática. E a China tem um papel fundamental a desempenhar para que isso se torne realidade.