Justiça

Acordo Traz Esperança para Defensores do Meio Ambiente na América Latina

O histórico Acordo de Escazú ajudará a proteger os defensores do meio ambiente e aumentará a transparência

Quatorze países da América Latina e do Caribe, includindo o Brasil, fizeram história na Assembléia Geral da ONU neste 27 de setembro ao ratificar e transformar em lei o Acordo de Escazú, o acordo regional sobre participação, acesso à informação e justiça em assuntos ambientais. Este é o primeiro acordo regional do tipo e tem sido alardeado como um grande passo a frente no reconhecimento dos direitos de defensores do meio ambiente.

Problemas urgentes têm assolado a região. É desenfreada a impunidade para crimes contra aqueles que estão na linha de frente de defesa do meio ambiente e da terra. Ativistas são executados em números recordes. Enquanto isso, governos sistematicamente insistem em desrespeitar o direito de comunidades de serem consultadas sobre impactos de obras de infraestrutura e projetos extrativistas. E a transparência de informações por parte das empresas nacionais e internacionais atuantes no setor é grosseiramente inadequada.

Mas o que o Acordo de Escazú vai mudar?

Amanda Romero, pesquisadora sênior e representante para a América Latina do Centro de Recursos em Negócios e Direitos Humanos

O Acordo de Escazú é fundamental para a agenda de negócios e direitos humanos. Alinhado com os Princípios Reguladores em Direitos Humanos da ONU (UNGPS, sua sigla em inglês), recomenda que as operações das empresas deveriam nivelar-se aos padrões nacionais e internacionais de direitos humanos, incluindo o respeito aos seus defensores. Assim, quando o acordo estiver em vigor, as instituições deverão cumpri-lo. As companhias, privadas e estatais que operam na América Latina, tanto nacionais como multinacionais, precisariam fazer algumas modificações em seus enfoques sociais e ambientais, discutindo tanto o passado quanto o dano atual que suas atividades comerciais causam.

Por exemplo, o artigo 6º do Acordo (Inciso 12) incentiva os estados a “tomarem as medidas necessárias através dos limites administrativos ou legais”, para permitir o acesso da sociedade civil à informação ambiental de que as instituições particulares dispõem, permitindo-lhes aprender sobre “riscos e efeitos na saúde humana e no meio ambiente” que tais operações geram.

O Acordo também estipula que, “dentro de suas habilidades”, cada governo deverá “incentivar as sociedades privadas e estatais, especialmente as grandes, a preparar relatórios de sustentabilidade que reflitam sua atuação social e ambiental”. Isto significa que as empresas deverão melhorar seu processo de “due diligence” e avaliação de casos de direitos humanos em que as vítimas alegam que a responsabilidade é corporativa.

As avaliações de impacto devem ir além dos assuntos ambientais, entendidos pelo Estado e pelas empresas como “efeito colateral” do processo de desenvolvimento. Na América Latina, isso significa punir empresas que contaminem águas impunemente, privatizem seu acesso contra grandes grupos populacionais, destruam sementes e culturas e desalojem grupos inteiros que perdem suas fontes de sobrevivência em razão de projetos energéticos, de agricultura, mineração, petróleo ou industriais.

Andrés Nápoli, diretor-executivo da Fundação Meio Ambiente e Recursos Naturais da Argentina (FARN)

O Acordo de Escazú, também conhecido como Acordo do Princípio 10, é um dos instrumentos ambientais mais importantes dos últimos vinte anos e o primeiro adotado pelos países da América Latina e Caribe.

Este trajeto, que teve início em 2012 na Reunião Rio+20, foi uma das respostas dada por esses países ao explosivo aumento de conflitos ambientais, além das consequências produzidas, na população e no meio ambiente, por fenômenos globais, como as mudanças climáticas.

Não foi por coincidência que este acordo germinou em um momento no qual a comunidade internacional inicia uma ambiciosa caminhada ao desenvolvimento sustentável. Sem dúvida, a plena aplicação do Princípio 10 está na essência da Agenda 2030 e será um instrumento fundamental para consolidar a governança em relação às mudanças climáticas.

O acordo vai garantir a todas as pessoas, especialmente às excluídas ou em situação de vulnerabilidade, o acesso confiável à informação, para que possam participar de maneira efetiva das decisões — especialmente aquelas que afetem suas condições de vida — e, também, que tenham acesso à justiça, permitindo uma distribuição mais justa dos custos e dos benefícios do desenvolvimento.

Natalia Gómez Peña, membro da divisão de advocacy e engajamento da Civicus

Nos últimos anos, a Civicus tem documentado uma piora global nas condições de vida da sociedade civil. As crescentes restrições tem afetado especialmente defensores dos direitos humans, e aqueles que lutam para proteger o meio ambiente estão enfrentando as situações mais críticas. Defender o meio ambiente tem se tornado mais perigoso a cada ano que passa, especialmente na América Latina, a região com os maiores números de assassinatos de ativistas ambientais.

O Acordo de Escazú traz esperança para a região de mudar o padrão de falta de participação e conflito. Além disso, o acordo nasceu como uma resposta para as necessidades urgentes de nós, cidadãos, para fortalecer nossa democracia: nós precisamos de ferramentas para nos informarmos, para saber o que está acontecendo com nossos rios e florestas, que impactos as indústrias estão causando para nossas comunidades e crianças. Nós, cidadãos, precisamos de participação efetiva nos processos de tomada de decisão que nos afetam, e que impactam o ambiente onde vivemos. Nós precisamos de mecanismos de acesso à justiça quando nossos direitos são desrespeitados. Nós precisamos de ferramentas para proteger nossos defensores do meio ambiente.

O Escazú é o primeiro tratado internacional que contempla proteções específicas para defensores do meio ambiente, criando um regime de proteção articulado em três níveis. Nele, as partes do acordo se comprometem a: i) assegurar um ambiente seguro para os defensores agirem, ii) tomar medidas eficazes e apropriadas para reconhecer e proteger seus direitos, e iii) tomar medidas para prevenir, investigar e processar quem ataca defensores do meio ambiente. Para uma região que foi reconhecida como a mais perigosa para estes ativistas, é uma oportunidade chave para prevenir mais assassinatos e garantir um ambiente seguro para que eles continuem seu trabalho.

É essencial que os países da região, especialmente aqueles com as taxas mais altas de violência contra defensores do meio ambiente, assinem, ratifiquem e rapidemente implemente o acordo. Para as milhares de pessoas trabalhando incansavelmente, e até expondo suas vidas, para proteger o meio ambiente da região, o Escazú é uma promessa muito necessária para um futuro melhor.

 

 

Lina Muñoz Ávila, diretora da área de direito e gestão ambiental da Universidade de Rosário, na Colômbia

O Acordo de Escazú marca um novo caminho em direção ao futuro, que propõe um desenrolar de ações nacionais de caráter discricionário, mas também um compromisso vinculante, com força de lei, para garantir a efetividade de direitos.

Existem hoje diversos instrumentos jurídicos e de políticas e práticas que refletem avanços positivos, mesmo que, sem dúvida, seja necessário um esforço maior para que esta região do mundo deixe de ser a que tem o maior número de conflitos ambientais e ameaças a ativistas. Com muita propriedade, o acordo propõe respostas frente a tal situação.

É uma oportunidade para que os países fortaleçam suas instituições e trabalhem sobre as deficiências de seus marcos legais e políticas públicas, assim como estabeleçam referências mínimas de concretização, que se convertam em um patamar comum para a luta contra os problemas ambientais. O acordo é também o primeiro tratado internacional que cobra dos países medidas efetivas de proteção aos direitos dos defensores ambientais e ações que lhes assegurem um ambiente seguro.

Sua entrada em vigor pode ajudar a fortalecer a governança ambiental. Mas vai exigir também altas doses de vontade política dos governos para realizar ajustes internos que permitam que suas disposições permeiem as estruturas nacionais, além de construir processos de articulação que propiciem alianças com diferentes atores.

Ainda assim, o acordo ingressa no direito internacional com uma perspectiva de direitos humanos na gestão ambiental e com um viés procedimental que complementa o conteúdo do direito ao meio ambiente sadio, buscando alcançar o desenvolvimento sustentável.

Finalmente, os direitos de acesso à informação, à participação e à justiça em assuntos ambientais também foram reconhecidos pelas Nações Unidas como instrumentos fundamentais para concretizar os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e a Agenda 2030. Por meio destes três pilares da democracia ambiental, os países da região poderão mostrar avanços maiores e melhores no cumprimento de outros compromissos internacionais, como as obrigações contra as mudanças climáticas.

Joara Marchezini, coordenadora do programa de Acesso à Informação da Artigo 19-Brasil

O acordo do Princípio 10 representa um grande passo para a garantia da democracia ambiental em todos países da América Latina e Caribe. Ele reúne parâmetros para a participação social, o acesso à informação e o acesso à Justiça em questões ambientais na região – algo inédito e fundamental no contexto latino-americano e caribenho.

Este é um acordo é amplo, que não só coloca deveres, como também aponta caminhos. Nesse sentido, vale destacar que o acesso à informação é um direito fundamental para termos um conhecimento mais acurado dos desafios e pensar ações eficazes para superá-los e também para atuar preventivamente em médio e longo prazo.

De um modo geral, a Artigo 19 acredita que o acordo pode representar um importante instrumento no enfrentamento a graves problemas que afetam a região, como a perpetuação de contaminações, do desmatamento e de diversos impactos socioambientais negativos que podem acontecer na realização de algumas obras e atividades produtivas quando não há esse compromisso com a democracia ambiental.

O Acordo de Escazu também é o primeiro tratado internacional que determina ações específicas para os governos garantirem a proteção de defensores ambientais, dado que a região é uma das mais perigosas do mundo para sua atuação.

Por isso, recomendamos que todos os países, incluindo o Brasil, trabalhem com agilidade para assinar e ratificar o instrumento e garantir a implementação das medidas previstas nos diversos contextos vividos na nossa região.

Andrea Detjen Ibañez, integrante da área de Meio Ambiente do Centro Interdisciplinar de Estudos sobre o Desenvolvimento do Uruguai (CIEDUR)

Em uma região acuada por gigantescos projetos que colocam em risco a natureza, humana e não humana, a sociedade civil da América Latina e Caribe comemora a assinatura do Acordo de Escazú, um instrumento jurídico pioneiro em termos de proteção ambiental.

Segundo o que foi acertado, os países se comprometem a garantir a todas as pessoas o direito à informação, de maneira oportuna e adequada. Também será garantida a participação significativa nas decisões que afetem suas vidas e seu entorno e o pronto acesso à justiça, sempre e quando estes direitos forem desrespeitados.

Este acordo se converte no primeiro existente no mundo de caráter vinculante, com força de lei, e com um dispositivo específico para a proteção e salvaguarda dos defensores dos direitos humanos, o que é algo significativo, já que somente em 2017 morreram 116 pessoas no continente por proteger suas terras e refutar práticas que afetam o meio ambiente. Este número faz da região a mais perigosa para os protetores da terra e do meio ambiente.

Incitamos essas nações a incorporar o estabelecido no acordo em suas leis, em suas práticas e em suas decisões políticas.  “Nada sobre nós, sem nossa presença”, disse Alicia Bárcena, secretária executiva da CEPAL ao falar sobre o Acordo. Neste sentido e como sociedade civil organizada, pretendemos servir-nos desta ferramenta que nos propõe participação e construção em um cenário de respeito ao ser humano, e ao direito de ter um meio ambiente sadio e equilibrado.

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