Florestas

Soja aumenta desmatamento na Argentina

Em 2018, foram mais de 100 mil hectares desmatados, 40% em áreas onde a exploração é restrita
<p>O desmatamento no norte da Argentina desacelerou, mas esforços para contê-lo ainda mais sofrem com falta de recursos (imagem: Greenpeace Argentina)</p>

O desmatamento no norte da Argentina desacelerou, mas esforços para contê-lo ainda mais sofrem com falta de recursos (imagem: Greenpeace Argentina)

A Argentina exporta desmatamento para a China.

Não é exatamente assim, mas a relação é bastante direta. Quando há um aumento na demanda agropecuária (sobretudo por soja) por parte da China e de outros países, a tendência é a ampliação da fronteira agropecuária, especialmente às custas das matas nativas. O processo ainda viola a Lei das Florestas, criada para preservá-las.

Segundo um estudo da organização ambientalista Greenpeace, em 2018 mais de 112.766 hectares foram desmatados em apenas quatro províncias argentinas. Destes, 40.965 estavam em zonas consideradas pela lei como vermelhas ou amarelas, ou seja: áreas de exploração proibida ou restrita.

Para o Greenpeace, a causa do desmatamento é a expansão da fronteira agropecuária por meio do plantio de soja, mas também pela pecuária. A ONG acrescenta que, da sanção da Lei das Florestas até o fim de 2017, 2,6 milhões de hectares foram desmatados, 840.000 dos quais eram florestas protegidas pela lei.

Em 2018 e 2019, cerca de 55 milhões de toneladas de soja serão cultivadas em 17,6 milhões de hectares, um aumento de 27,5% na produção em uma área apenas um pouco menor que o ciclo anterior, segundo informes da Bolsa de Comércio de Rosario. Como é o caso de grãos como trigo e milho, a produção está crescendo nas áreas de colheita sobretudo desde 2015, e a maior parte é destinada à exportação (o país quase não consome soja).

“É o terceiro informe anual que fazemos deste tipo. Observamos o antes e o depois das propriedades agropecuárias para verificar se houve mudança no uso do solo ou desmatamento. Restringimos a pesquisa a quatro províncias (Santiago del Estero, Salta, Chaco e Formosa) porque são onde 80% do desmatamento dos últimos trinta anos ocorreram”, afirmou Hernán Giardini, chefe da campanha de florestas do Greenpeace.

“Desmatamento significa mais soja e mais pecuária intensiva. É necessário confirmar in situ, mas o cálculo é que metade do desmatamento é causado por plantações de soja e metade por pecuária intensiva — e uma pequena porcentagem é causada por cultivo de girassol e milho, se a propriedade faz rotação de cultivos”, acrescentou.

Copo cheio, copo vazio

O fato de que a Lei das Florestas da Argentina existe há mais de uma década sem completa eficiência pode significar algo bom ou algo ruim.

Por um lado, desde que a lei foi sancionada, o desmatamento florestal se reduziu pela metade (de 300.000 hectares anuais a cerca de 150.000). Contudo, a lei ainda não conta com o orçamento devido – apenas uma média irrisória de 5% —, e o desmatamento continua em zonas proibidas, graças a isenções provinciais.

“Alguns proprietários apresentam planos silvipastoris e depois descobrimos que eles cortam mais árvores do que o que foi previamente autorizado. O desmatamento se dispersa no tempo; eles deixam algumas árvores dispersas no terreno”, explica Juan Pedro Cano, Diretor Nacional de Florestas da Secretaria de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Argentina.

Cano admite que os números do informe do Greenpeace são parecidos aos do órgão governamental.

“A causa do desmatamento é a ampliação da fronteira agrícola e pecuária, não apenas a soja. Mais que a demanda, são os preços das commodities que acompanham o desmatamento”, acrescenta Cano.

De acordo com a constituição argentina, as províncias têm soberania sobre seus recursos naturais, embora haja leis de orçamentos mínimos (como a de florestas ou de geleiras). Assim, a Secretaria costuma ir atrás quando ocorre desmatamento, embora seu perfil seja mais produtivista que conservacionista.

“Queremos que as florestas não sejam mais vistas como um obstáculo para a produção econômica”, afirma Cano.
Ele se entusiasma com um sistema de alerta que a cada 15 dias obtém informação por satélite de oito províncias da região chaquenha. Os resultados, por sua vez, são levados à autoridade provincial, que tem poder de polícia para sancionar ou não os desmatamentos não autorizados.

Giardini acrescenta que, quando se detecta um desmatamento ilegal, os empresários pagam multas irrisórias (se é que pagam), “um montante que se soma ao custo da limpeza do campo”.

US$50,000


a multa por desmatar 500 hectares de floresta ilegalmente

“Isso depende de cada província, da documentação, do tipo de infração. Mas, por 400 hectares, eles pagam uma multa de dois milhões de pesos (cerca de 50 mil dólares), um valor que não os incomoda”, acrescenta. Por isso, a organização ambientalista apresentou um projeto de lei para reformar o código penal e transformar os delitos ambientais em penais, com possibilidade de prisão para os responsáveis.

Globalização

Quem explica o papel da demanda chinesa no desmatamento que ocorre no norte da Argentina é o economista especializado em relações internacionais Gustavo Girado, diretor da pós-graduação em estudos sobre a China contemporânea da Universidade Nacional de Lanús.

“Não é pertinente associar a demanda chinesa com o desmatamento na Argentina, porque no ano passado o comércio foi triangulado pelos Estados Unidos: os barcos saem com a matéria prima e então são avisados sobre qual porto ir”, explica Girado. Ou seja, não é possível ter certeza de que de fato todas as embarcações tenham a China como destino.
Outra questão, portanto, é saber até que ponto pode crescer a área dedicada à soja no país.

“É difícil determinar”, reconhece Giardini. “Há muitas áreas onde ainda é possível cultivar soja, e é preciso pensar na eventual disponibilidade de modificações genéticas que permitiriam o cultivo em regiões de baixo índice de chuva”.
“Toda a inteligência científica está dedicada a buscar soluções para os grandes produtores e corporações. Não se investe no campo ou na agroecologia. Não nos adaptamos ao ecossistema, apenas fazemos com que o ecossistema se adapte a nós. Só interessa o solo. Quanto a isso, não sou otimista”, acrescentou.

Mas além da discussão técnica sobre o papel dos mercados, há solução possível para evitar o desmatamento num cenário mundial que demanda soja e outros produtos agropecuários só faz crescer? A resposta é que se poderia estabelecer convenções e exigências em função de pedidos dos consumidores e dos estados compradores que venham a se comprometer.
“Houve um compromisso desse tipo por parte de empresas de grãos que não compraram soja da Amazônia. Isso poderia ser estendido à região do Chaco: não comprar se não há garantia de desmatamento zero”, observa Giardini.

Nós não nos adaptamos ao ecossistema, o ecossistema se adapta a nós.

E completa: “De fato é algo que inevitavelmente deveremos fazer se queremos cumprir o Acordo de Paris contra as mudanças climáticas. Na Argentina, as mudanças no uso do solo e a pecuária geram mais das metades dos gases de efeito estufa que o país emite na atmosfera”.